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O bar sozinho 3/5

por Natacha, em 27.04.13

Ele observou-a atentamente como que tentando perceber naquele olhar instransponível quais eram de facto as verdadeiras intenções de Laura. Porque se teria dado ao trabalho de se deslocar mais de 100 Km para lhe devolver o livro.

Puxou de um cigarro e, também ele prolongando a espera, demorou a acendê-lo e a dar a primeira passa, saboreando de olhos fechados como se se tratasse de um delicioso manjar.

- E então!? - Laura mostrava-se já impaciente – Ele sorriu por dentro, mantendo no entando o semblante carregado desenhado na face.

- Porquê tanta ansiedade? - Perguntou-lhe, mostrando-se surpreendido.

- Oh, Bernardo, não te faças de parvo agora. Sabes bem que sempre me inquietou a forma como esse livro era tão importante para ti. Desde o tempo em que namorámos e até depois de vivermos juntos. Não achas normal a minha curiosidade aumentar mais ainda pelo facto de o teres deixado lá em casa quando resolveste sair? Eras inseparável desse livro!

- Mas já passaram 3 anos, Laura. Nunca espreitaste?

- Não, nunca, afiançou, meneando a cabeça em jeito de assertividade.

Bernardo sorriu, agora exteriormente, e Laura decidiu naquele instante acalmar a sua ansiedade, sob pena de ficar à mercê de Bernardo que, com toda a certeza, iria delirar por vê-la naquele estado – não lhe faria a vontade, levantou-se, olhou à volta, o bar permanecia sozinho, olhou-o de frente pela primeira vez e disse:

- Enquanto pensas se me vais contar ou não eu vou à casa de banho, quando voltar, escolhes entre contar-me ou a despedida, e dito isto virou costas e dirigiu-se à casa de banho sem dar tempo a Bernardo de dizer um “ai”. Voltou passados cerca de 10 minutos.

- Tiveste tempo – disse.

- Senta-te aqui, vou contar-te.

Fez sinal ao empregado para que reforçasse as bebidas – iam precisar.

- O que achas que está neste livro, Laura? Achas que será algum tipo de diário, onde escrevi ao longo dos tempos as minha emoções, as minhas ansiedades, as minhas inquietações, os meus sonhos?

- Sim, algo desse tipo, é isso que penso sim.

- Pois enganas-te – disse-lhe piscando o olho – Repara – e dito isto retirou o livro do bolso e que o tinha guardado e abriu-o para que Laura visse.

A expressão dela mostrou-se de incredulidade.

– Mas – balbulciou...

- Sim, Laura, este meu precioso livro está em branco!


(...)

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servido às 23:04

Da minha janela...

por magnolia, em 25.04.13


Da minha janela…

 

Da minha janela vejo um cravo vermelho na lapela de um velho.

Da minha janela vejo um céu imenso e um povo, vejo uma vontade, fome da liberdade.

Da minha janela vejo velhos que passam, rostos enrugados, costas curvadas, mentes cansadas.

Da minha janela vejo rapazes e raparigas folgados, sem trabalho, desesperados.

Da minha janela vejo mães que embalam os filhos e em silêncio sofrem sabendo que nada têm para lhes dar, nem roupa, nem sapatos, nem comida, apenas a vida.

Da minha janela vejo pais que fumam cigarros, amordaçados, olhando os seus filhos pequenos, que andam por ali correndo, no fundo sabendo que não terão mais que ternura para lhes dar.

Da minha janela vejo a terra que ninguém cultiva, improdutiva, triste e cativa nas mãos erradas de gente que não quer saber da gente da terra.

Da minha janela vejo um pássaro que chilreia, parecendo que anseia outra vida.

Mas…

…da minha janela vejo alguém que dança, uma mulher com um cravo na trança, trazendo ainda no rosto um pouco de esperança.

Da minha janela vejo também um novo dia que principia!

É hora! É hora de colocar o cravo vermelho ao peito e sair pelas ruas cantando a preceito.

É hora! É hora de parar para pensar.

É hora! É hora de ver que está na hora de voltar a viver.

É hora! É hora de avançar, sem recuar e lutar sem medo de não ganhar.

Da minha janela vejo um povo que arranca a mordaça e mostra a força da sua raça!

 


Tema semanal: da minha janela

 

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servido às 20:13

Janela para (A)mar

por Natacha, em 24.04.13

Não preciso de mais nada, dêem-me uma janela para o mar, um livro, e tempo, tempo para contemplar cada pormenor com os olhos sedentos de emoções.

Quero respirar o ar que me traz o cheiro a maresia e me arrepia a pele, fechar os olhos e sentir, sentir-me pertença de um lugar e não um barco à deriva no mar, como em tantos dias.

Da minha janela tudo é perfeito, tudo é desenhado pelas mãos da natureza, só vejo azul, muito azul e algum branco pontilhando aqui e ali o céu. Toca-me a calma, toca-me cada contorno das nuvens, poucas, e o chilrear dos passarinhos que brincam à primavera, num jogo de toca-e-foge. Toda eu sou um sorriso só, um sorriso de alegria, um sorriso de gratidão.

Quando leio na minha janela para o mar, entro na história com maior facilidade, apaixono-me pelo personagem principal e invejo a sua amada, danço a mesma dança na minha quietude, e choro as mesmas lágrimas, grossas, que me desenham na face rios salgados, e me turvam a visão.

Por momentos, muitos momentos, de janela aberta, olho-te lá fora na imensidão do mar e do horizonte. A janela está aberta como que um símbolo de liberdade, a liberdade da permanência, a liberdade da volta, a liberdade do partir, da fuga. Nada em nós pode ser sufoco, a não ser o desejo.

Pela janela aberta, permito que entre toda uma energia que me lava a alma e que me enche de esperança, existe sempre uma esperança numa janela que se encontre aberta.

Por vezes a janela teima em emperrar, trazendo o desespero próprio de quem gosta de se sentir livre, de quem precisa de ar a renovar a todo o momento. Nesses dias, tudo é mais difícil de suportar, até o tempo custa mais a passar, mas com arte, e disponibilidade, tolerância e perseverança, aos poucos a janela abre, trazendo de novo ao meu coração a calma, como se fosses tu próprio num regresso não esperado mas tão desejado.

Hoje, atiro-me pela janela, não num momento insano de desespero, mas num momento louco de entrega e amor.... sei que vou nas tuas asas e que me levarás a voar mais alto ainda que quando leio os meus livros na janela para o mar e entro nas histórias que não são minhas.

Hoje, atiro-me da minha janela para o (a)mar...

tema semanal: daquela janela

 

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servido às 11:44

Velha janela

por Maria Alfacinha, em 23.04.13

 

 

Sempre gostara de janelas. Era qualquer coisa que lhe ficara de catraia quando era dona da única janela da casa. Ainda pequenina empoleirava-se no colchão de palha e espreitava os campos, chamando as galinhas que andavam soltas. Já menina, era da janela que via se o dia estava a chegar e debruçada no parapeito abria o livro de leitura que a professora lhe dera para que não esquecesse o que aprendera na escola que abandonara antes de tempo. E era a janela que lhe dizia se a ceia já estava pronta quando, ao fim do dia, a mãe acendia o único candeeiro que alumiava o serão. Crescera, casara e vivera em meia dúzia casas até o trabalho do marido lhe permitir assentar. Em todas elas escolhera uma janela onde se sentava ao fim do dia de olhar perdido nos campos até as estrelas a lembrarem que devia descansar. A vida passara por ela como um suspiro, os dias enredados nas lidas da casa e do campo, nas inquietações com os filhos, nas dificuldades da doença que lhe tinha levado o marido demasiado cedo. Agora era a filha, a única que ainda não partira para o outro lado do mundo que opinava, que se queixava da preocupação, que a queria saber acompanhada, não tinha como a receber, a mãe tem que se mudar, vai ter um quarto só para si, alguém que lhe faça a comida. Donzília não protestara quando a viera buscar para ver o lar que tinha escolhido. Passar o dia com a filha era razão suficiente para a fazer sorrir.

Quando viu os quartos desculpou-se o melhor que pode. É muita despesa que vais ter, rapariga. Tu não te preocupes que eu estou bem na minha casa. Sabes que gosto do meu cantinho. Nem por descuido disse que não gostara das janelas escuras, com vista para a parede da igreja e grades que lhe faziam lembrar o galinheiro que o seu homem, em dia de boa vontade, tinha construído no fundo do quintal. Desiludira a filha, percebi que preferia vê-la ali do que na velha casa onde crescera e no fundo Donzília sabia que ali teria mais conforto. A velha casa há muito que precisava de obras. Ele era os canos que rebentavam todos os Invernos, ele era o telhado que deixava passar o frio, a velha casa era como ela, sempre a precisar de mais um remendo. O dinheiro nunca abundara e enquanto o seu homem era vivo era ele que fazia as obras. Depois que ele morrera eram os vizinhos que de vez em quando reparavam o que era preciso. Mas também eles foram ficando velhos. Uns foram levados pela família, outros pela assistente social, outros apenas morriam, morta já a vontade de viver. Homens novos tinham abalado há muito à procura de trabalho. Depois tinham chamado pelas mulheres e pelos filhos. Alguns já nem no Verão apareciam, e porque haviam de o fazer, se já nada os prendia à terra? Não era o que se passava com a filha? A rapariga ainda vinha todos os anos mas no dia em que morresse Donzília tinha certeza que ela já não voltaria. Tinha a vida feita na cidade, uma casa confortável, um emprego certo e quando fazia férias preferia a praia, por causa dos miúdos dizia ela, que o médico recomendara o ar do mar e Donzília olhava para ela e pensava que bela mulher se tinha feito, saudável que nem um pêro e sem nunca ter precisado de ir à praia.

Acariciou-lhe o rosto onde pairava uma sombra de amuo: não fiques assim rapariga. Não vivi sempre ali? Tenho as minhas galinhas, umas couvitas para o caldo e vou-me entretendo. A filha ainda contrariada, calava o incómodo, tentava não olhar para o relógio, não pensar que o marido esperava por ela, que estava a demorar mais do que devia. E passa ali as noites sozinha, sem alguém que lhe acuda. E se se sentir mal? Ora rapariga, vou-me sentir mal porquê? E não estou sozinha não senhora, vou todas as tardes a casa da Ti Rosa ver a novela. Sabes lá a confusão que aquela mulher faz. Tenho que lhe explicar tudo e às vezes nem eu entendo. É um fartote de rir. Tenho uma vida boa, acredita. Anda lá, leva-me a casa que o teu marido deve estar à tua espera para jantar.

A noite caía quando Donzília chegou a casa. A sua espera o gato, o seu Menino, cumprimentou-a preguiçoso. Ela trocou os sapatos pelos chinelos, o casaco pelo xaile, deu comida ao gato, aqueceu a sopa que deixara feita de manhã e encostou-se à mesa saboreando a memória do dia. Depois sentou-se à janela de olhar perdido nos campos até que as estrelas viessem lembrá-la que devia descansar.


tema semanal: daquela janela

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servido às 17:07

Partir

por Closet, em 22.04.13

 

Naquele dia ele tomou o café da manhã, como fazia sempre, às 8:30. Os gestos automatizados, com os olhos pousados na torrada e o pensamento ausente. Já não era ele que estava ali à sua frente. Ela sabia. Era apenas um corpo frio, despojado de vida, inexpressivo. Sem sangue a bombear-lhe as veias, sem o perfume de uma noite ardente de prazer.

Habitava nele um silêncio perturbante, como se tivesse caído numa caverna profunda. Estava distante. Talvez por isso não foi difícil vê-lo partir. 

Os seus olhos cruzaram-se à porta, pela última vez. Numa despedida breve, sombria. Recorda agora, como se atravessasse um deserto imenso na sua memória, como antes esses olhos a invadiam, insaciáveis, percorriam toda a sua pele de desejo. «Desejo...» Recorda. Ironicamente, ele desejou também algo naquela manhã. Desejou «bom dia», por entre os lábios comprimidos que asfixiavam um desejo intenso de partir. Uma vontade incontrolável, transparente e crua.

«Porque não parte?» pensava enquanto acenava um adeus moribundo, num ritual triste e fúnebre. «Talvez o último adeus», pensava ao vê-lo afastar-se pela janela.

Naquele dia ele não regressou. Talvez o sangue jorrasse abundantemente, derramando pelo seu corpo inteiro um vermelho vivo, ele retomou a vida. Outra vida.

Ainda assim, ela esperou por ele. Mais uma hora, mais um dia. Uma semana. Um mês. Até que deixou de contar os dias. Esperou sentada no parapeito, com o rosto encostado ao vidro da janela onde o viu pela última vez afastar-se, engolido pelos vultos da rua. Esperou pela voz rouca aveludada que a chamava de amor e quase a enlouquecia. Esperou pelas mãos que há muito não a tocavam, desapertando habilmente cada botão da sua camisa.

Esperou. Porque tinha saudades dele. (Nunca lhe disse). Do que ele lhe dava. Do que ela ainda tinha para lhe dar.

Ele não voltou. «Partiu» convenceu-se, de olhos fixos na rua vazia.

Partir foi a forma mais fácil de desamar.


 

tema semanal: daquela janela


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servido às 12:00

O bar sozinho (2/5)

por Maria Alfacinha, em 21.04.13


- O mar sempre me fascinou. Há qualquer coisa de irresistível na imensidão, no cheiro, no som. Nunca me canso dele. Particularmente nesta altura do ano, a esta hora, ao fim do dia. - disse a mulher sem o olhar.- Um dia hei-de viver numa casa de praia e adormecer todas as noites embalada pelas ondas.

- Porque vieste? - repetiu o homem

A mulher voltou-se para o balcão evitando olhá-lo, procurou o barman e fez-lhe sinal:

- Um uísque. E o que este senhor quiser beber.

Levou o copo aos lábios delicadamente, pousou o copo cuidadosamente e olhou para o homem:

- Não querias que viesse?

O homem manteve o olhar sem se mexer.

- Só precisava do livro. Não pedi que o viesses entregar.

A mulher riu-se:

- Não podia vir sozinho. Os livros são capazes de muita coisa mas não têm pernas, nem sabem conduzir.

O corpo do homem traía a impaciência que sentia. Levou o copo aos lábios e sorveu o uísque de um trago, contendo-se para não partir o copo quando o voltou a colocar no balcão. Os olhos pousaram no livro ao seu lado e os dedos, agora libertos do punho que mantivera fechado, tamborilaram no balcão.

- Não havia mais ninguém que o pudesse trazer, calculo.

Ela sorriu:

- Talvez, não sei, não perguntei. Quando soube que o querias ofereci-me para o trazer. Tinha saudades – levou novamente o copo aos lábios prolongando propositadamente o silencio – do mar. Saudades do mar.

O tom trocista que ela utilizava teve o condão de o acalmar. Por momentos pensou que nada estava perdido, que conseguia controlar a situação sem perder a cabeça e poderia retomar a sua vida no ponto em que se encontrava antes de ela ter chegado. Apercebeu-se, sem surpresa, que não havia ninguém por perto e até o barman se tinha retirado deixando-os completamente sós. Virou-se no banco, esperando vê-la a olhar para si. Mas a mulher fixava as prateleiras do bar com um interesse invulgar e ignorou-o. O homem aproveitou a oportunidade para a observar melhor. Estava na mesma, mais velha é certo, mas reconhecia-lhe os traços, os gestos, a posição do rosto quando algo lhe chamava a atenção. Desviou o olhar e estendeu a mão para pegar no livro. A mão dela surgiu no ar e interrompeu-lhe o gesto, puxando o livro para si.

- Deve ser um livro importante para o teres pedido. –comentou enquanto o folheava  – Esconde os teus segredos?

- Não o leste? Vieste com ele de tão longe e nem espreitaste? Nem parece teu…

Ela continuava a brincar com as folhas:

- Não. Não senti vontade de o fazer. Não porque não estivesse curiosa – acrescentou estendendo-lhe o livro – Apenas porque achei que devias ser tu a dizer-me.

Ele pegou no livro, acariciando a capa e guardou-o no bolso do blusão.

- Tens tempo?

Ela sentou-se finalmente no banco alto onde estava encostada:

- Bastante.

 

 

 

(...)

parte 1 <> parte 3

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servido às 23:15



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